O escritor angolano José Eduardo Agualusa assumiu hoje ter “mais medo dos polícias [angolanos] do que dos ladrões”, frase que considerou “sintomática” e que reflecte o passado e ainda o presente em Angola. E como a esperança é a última a chegar ao fim da picada, esperemos que o futuro (mais ou menos longínquo) dê aos nossos netos outra realidade.
José Eduardo Agualusa falava momentos após ter apresentado em Luanda, pela segunda vez em menos de quatro dias, o livro “A Sociedade dos Sonhadores Involuntários”, lançado em Portugal em Maio de 2017, mas que só agora foi possível fazer na capital angolana, assumindo que a frase pertence a um personagem da obra, publicada numa altura em que José Eduardo dos Santos ainda era Presidente de Angola.
“Acho que essa é uma característica de qualquer pessoa que venha de um país do terceiro mundo. Sabemos que vimos de um país de terceiro mundo quando temos mais medo dos polícias do que dos ladrões, ou seja, da autoridade. Em países desenvolvidos, realmente desenvolvidos, como os países do norte da Europa, por exemplo, as pessoas não têm medo da autoridade. A autoridade é alguém em que se tem de confiar”, sustentou.
Sobre a “evolução” política e social em Angola, José Eduardo Agualusa afirmou-se com sentimentos contraditórios, salientando que a governação do Presidente João Lourenço, que chegou ao poder (não nominalmente eleito) em Setembro de 2017, “abriu, de facto, uma janela de esperança”, embora haja ainda muito a fazer.
“De um ponto de vista de pacificação da sociedade, acho que a situação melhorou muito, as pessoas realmente perderam o medo, está todo o mundo muito mais à vontade, mas ainda há muito a fazer no sentido de democratizar completamente o país”, sustentou.
Instado a exemplificar, José Eduardo Agualusa, que regressou a Moçambique – vive actualmente na ilha homónima -, avançou com alterações à Constituição de 2010, que dá poderes absolutos ao chefe de Estado, disse, “foi criada à medida, aos desejos, do anterior Presidente [José Eduardo dos Santos]”, bem como a questão do poder local – “que me parece muito importante”, tendo como pano de fundo as eleições autárquicas previstas para 2020.
“João Lourenço deveria começar por alterar a Constituição para demonstrar o seu empenho numa maior democratização do país”, observou, defendendo que “se o Presidente angolano quer dar um sinal de que, “de facto”, não está disposto apenas a combater a corrupção, mas democratizar por completo a sociedade angolana, terá de dar esse passo”.
Sobre se as mudanças protagonizadas pela nova governação de João Lourenço podem ser postas em causa “pelos inimigos que estão dentro do partido” no poder desde 1975, o MPLA, José Eduardo Agualusa admitiu que existem “perigos reais”, mas sublinhou que a sociedade civil não permitirá ousadias.
“Acho que existem perigos reais, mas acho também que João Lourenço, até ao momento, conta, sobretudo nesse combate à corrupção, com largo apoio da sociedade civil e, por isso, espero que não haja ninguém tentado a fazer um golpe de Estado ou algo parecido contra a política do Presidente João Lourenço”, afirmou.
José Eduardo Agualusa, que tem vivido entre Portugal, Alemanha e Brasil, residindo c na ilha de Moçambique, nasceu na cidade do Huambo, a 13 de Dezembro de 1960 (58 anos), tendo estudado Agronomia e Silvicultura.
Romancista, contista, cronista e autor de literatura infantil, vários dos seus livros têm sido distinguidos com prestigiados prémios nacionais e estrangeiros, como, por exemplo, o Grande Prémio de Literatura RTP (atribuído a “Nação Crioula”, 1998), e o Independent Foreign Fiction Prize (“O Vendedor de Passados”, 2004) e, mais recentemente, foi finalista do Man Booker Prize e do International Dublin Literary Award com “Teoria Geral do Esquecimento” (2012).
Os seus contos e livros infantis foram igualmente distinguidos com o Grande Prémio do Conto da Associação Portuguesa de Escritores (APE) e o Grande Prémio de Literatura para Crianças da Fundação Calouste Gulbenkian.
Folha 8 com Lusa